O inglês John Conway (1937–2020) foi chamado “o matemático mais carismático do mundo” e era, sem dúvida, um dos mais criativos e divertidos. Tinha uma profunda paixão por jogos, e pela matemática por trás deles. A sua realização mais famosa foi a invenção do “Jogo da Vida”, uma ilustração espetacular de como comportamento muito complicado pode resultar de regras extremamente simples, que ele via como uma metáfora do modo como a vida, com toda a sua complexidade, surgiu e se desenvolveu na Terra.
Por volta de 1970, Conway estava interessado pelo jogo oriental Go, outro em que enorme complexidade emerge de regras muito simples. Visando desenvolver uma teoria dos finais de partida (“endgame”), ele foi levado a introduzir um novo tipo de número. Embora não tenha dado nome a esses novos números, o colega Donald Knuth (n. 1938) se encarregou disso, no livro “Números Surreais: Como Dois Ex-Estudantes se Dedicaram à Matemática Pura e Encontraram a Felicidade Completa”, publicado em 1974.
A primeira coisa que me passou pela cabeça quando li sobre o assunto foi: “Ué! Pode? A generalização da ideia de número não ficou completa quando encontramos os complexos?”.
O que tornava a coisa ainda mais intrigante era saber que Conway não estava procurando novos números: ele simplesmente os encontrou enquanto estudava as estratégias do Go! Muito curioso…
O alemão Leopold Kronecker (1823–1891) dizia que “Deus fez os números inteiros, tudo o mais é criação humana”. Já eu penso que todos os números são divinos, e a história da humanidade é, também, a história da descoberta dos seus diferentes tipos. E cada introdução de novos números sempre teve uma razão de ser.
Começamos com os naturais (inteiros positivos), usados para contar. Outra operação muito importante, a medição, requereu os números racionais, que são as frações de números naturais. O avanço da geometria grega, a partir do teorema de Pitágoras, exigiu outra expansão da ideia de número, para incluir os irracionais.
Os negativos, representando dívidas, foram mencionados pela primeira vez em “Nove Capítulos da Arte Matemática”, publicado na China, por volta do ano 200. Eles foram amplamente usados por chineses e árabes durante séculos antes de se tornarem populares no Ocidente, no renascimento.
O zero veio mais tarde e é um caso à parte: durante muito tempo nem sequer era considerado um número (que ideia, um número para significar nada?!), apenas um símbolo para marcar uma posição vazia na representação decimal dos números.
Já a descoberta dos imaginários, no renascimento, e, pouco depois, dos complexos, foi motivada por uma necessidade puramente matemática: simplificar a resolução de equações polinomiais, particularmente da equação cúbica.
Mas até onde podemos estender o conceito de número? Há mais números além dos complexos? Antes, precisamos responder a uma questão mais básica: o que é um número? A resposta é menos óbvia do que muita gente pensa. Fica para semana que vem.
Fonte ==> Folha SP – TEC