Caatinga
Reduzir a exploração pecuária não é suficiente para recuperar o solo degradado da Caatinga
Estudo feito no semiárido de Pernambuco mostrou que a retirada de animais não trouxe melhoras significativas mesmo após três anos de recuperação espontânea do solo. Pesquisadores sugerem medidas complementares, como adubação verde e plantio estratégico de árvores
Caatinga
Reduzir a exploração pecuária não é suficiente para recuperar o solo degradado da Caatinga
Estudo feito no semiárido de Pernambuco mostrou que a retirada de animais não trouxe melhoras significativas mesmo após três anos de recuperação espontânea do solo. Pesquisadores sugerem medidas complementares, como adubação verde e plantio estratégico de árvores
Contraste entre caatinga densa e área desmatada. Note-se que, na época chuvosa, a biomassa é abundante e exuberante (foto: Wanderlei Bieluczyk)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A Caatinga é o único bioma que ocorre exclusivamente no território brasileiro e abriga a maior área contínua de floresta tropical sazonalmente seca do mundo. No entanto, atividades antrópicas, como a pecuária, a agricultura e a exploração de lenha, têm causado processos de degradação ambiental em larga escala que, juntamente com as mudanças climáticas, podem levar até mesmo à desertificação.
Estudo realizado em áreas de exploração pecuária no semiárido de Pernambuco revelou que a simples interrupção do pastejo não recuperou a saúde do solo. Os pesquisadores recomendam iniciativas complementares, como a adubação verde e o plantio estratégico de árvores, que têm sido promissoras em outros biomas tropicais. Esse manejo ativo pode acelerar a restauração das diversas funções do solo, promovendo o aporte de carbono e nitrogênio ao sistema, além de melhorias na ciclagem de nutrientes e na biodiversidade.
Essa pesquisa de longa duração está sendo conduzida no Estado de Pernambuco para avaliar os impactos do sobrepastejo (excesso de animais no pasto) no longo prazo, uma condição típica da região, e os efeitos do isolamento de parcelas para exclusão desses animais. As pesquisas fazem parte da Rede Perene, no âmbito do Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (CBC), um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT). Os resultados foram publicados no Journal of Environmental Management.
“Comparamos os solos dos três tipos de cobertura mais comuns na região: florestas densas preservadas, florestas abertas em regeneração após desmatamento e pastejo prolongado e pastagens com histórico de sobrepastejo por décadas. O estudo mostrou que o sobrepastejo compacta o solo e reduz a disponibilidade de nitrogênio, carbono, biomassa microbiana e proteínas do tipo glomalina, comprometendo funções físicas, químicas e biológicas essenciais. Verificamos também que a retirada de animais dessas áreas [que foram cercadas para evitar o pastejo] não trouxe melhoras significativas, mesmo depois de três anos de recuperação espontânea do solo”, conta Wanderlei Bieluczyk, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP) e primeiro autor do artigo.
Ele informa que, em escala regional, a transição da floresta densa para pastagens degradadas provocou uma perda de 14,7 toneladas de carbono por hectare. Subtraído do solo, em profundidades de até 20 centímetros, esse carbono acaba sendo oxidado e lançado na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. Nessa mesma transição, o estudo contabilizou uma queda regional de 18% em um índice holístico de saúde do solo. “Desenvolvemos um índice de saúde do solo baseado em múltiplas funções edáficas [isto é, pertencentes ou relativas ao solo], integrando indicadores físicos, químicos e biológicos. Com relação a indicadores biológicos, como carbono da biomassa microbiana, beta-glucosidase e glomalina, a conversão de floresta para pastagem reduziu seus valores em mais de 45%.”
Vale lembrar que “saúde do solo” é um conceito que se refere à capacidade do solo de sustentar a biodiversidade, incluindo microrganismos, plantas e animais, mantendo funções essenciais, como absorção e retenção de água, resistência à erosão e ciclagem de nutrientes, dentre outras que o estudo avaliou. Esse conceito se aplica a diversos ambientes, desde ecossistemas preservados até áreas agrícolas produtivas.
“Ficou claro que o sobrepastejo causa uma degradação severa da saúde do solo na Caatinga e que a simples exclusão dos animais não é suficiente para restaurar as funções do solo em poucos anos após o isolamento da área. A recuperação das áreas degradadas pelo manejo inadequado das pastagens, especialmente devido à pressão excessiva do pastejo, é um processo desafiador e provavelmente requer práticas adicionais, como o uso da adubação verde e plantio estratégico de árvores, para acelerar a restauração ecológica do solo”, sublinha Bieluczyk.
A adubação verde é uma prática que envolve a semeadura ou plantio de plantas conhecidas como adubos verdes, com o objetivo de melhorar a fertilidade e a estrutura do solo. Essa técnica tem sido bem-sucedida na restauração florestal do bioma Mata Atlântica, por exemplo. Geralmente compostas por leguminosas ou gramíneas, as plantas contribuem para a fixação de nitrogênio, reciclagem de nutrientes e proteção do solo com sua biomassa. Após atingirem um estágio específico de desenvolvimento, podem ser cortadas e incorporadas ao solo ou, naturalmente, entrar em senescência sob o sombreamento das copas das árvores em regeneração. Dessa forma, o solo é protegido contra a erosão, retém mais umidade e recebe um suprimento gradual de nutrientes à medida que a biomassa se decompõe.
Quanto ao plantio estratégico de árvores, são plantadas árvores de crescimento rápido e capazes de formar em pouco tempo uma copa densa. Assim, o solo é protegido da insolação excessiva e gradualmente se cria um “ambiente de floresta” sob as copas, favorecendo a germinação e o desenvolvimento de diversas espécies regenerativas nesse ambiente agora mais propício.
Tudo isso precisa ser considerado à luz da grande especificidade do bioma Caatinga, como explica Ana Dolores Santiago de Freitas, professora dos Programas de Pós-Graduação em Agronomia e Ciências do Solo da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e coordenadora do projeto em pauta. “A Caatinga é um bioma diferente dos outros existentes no Brasil por causa do clima semiárido, que só ocorre na região Nordeste. Nela, combinam-se a escassez e irregularidade das chuvas com a grande perda de umidade do solo e das plantas em função das altas temperaturas o ano todo, como resultado de sua posição próxima ao Equador. A longa convivência com esse clima levou a vários processos de adaptação das plantas. A maioria das árvores e arbustos perde folhas na época seca; por terem vida curta, as folhas são finas, com pouca biomassa, sendo formadas rapidamente quando as chuvas começam; há muitas herbáceas de ciclo de vida curto, presentes só na época das chuvas, e muitas plantas suculentas, como as bromélias, ou espinhosas e sem folhas, como os cactos”, afirma Freitas.
A pesquisadora acrescenta que a pouca variação na temperatura e na luminosidade e a disponibilidade de água regula a vegetação, criando um mosaico de situações. “As bordas do bioma com a Mata Atlântica, no leste, e o Cerrado, no oeste e no sul, recebem um pouco mais de chuva; assim como as áreas mais altas no núcleo semiárido. Em toda a região, a topografia influencia, com os vales recebendo a água escoada das encostas. A isso, junta-se a maior variabilidade de tipos de solos do Brasil, desde os profundos aos mais rasos e dos pouco aos muito férteis, com tipos contrastantes em manchas muito próximas. Toda essa variabilidade ambiental resultou em uma flora muito diversificada, com milhares de espécies, uma das mais ricas entre os semiáridos do mundo”, enfatiza.
Ainda de acordo com Freitas, devido às várias décadas de uso impróprio e insustentável da vegetação nativa como suporte forrageiro, a Caatinga encontra-se em estado de degradação ecológica muito elevado. Bieluczyk detalha o passo a passo da degradação: “Tudo começa com a retirada da vegetação nativa, a extração de madeira e as queimadas. Depois, vêm a implantação das pastagens e a compactação do solo, devido ao pisoteamento excessivo pelo gado. O solo compactado dificulta a infiltração da água e o crescimento das raízes, surgindo muitas manchas de solo exposto. E tudo isso leva à perda de nutrientes e de saúde do solo”.
O pesquisador reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para a recuperação da Caatinga e o manejo sustentável das atividades agropecuárias, garantindo a preservação dos serviços ecossistêmicos do bioma.
O estudo publicado no Journal of Environmental Management foi conduzido em áreas localizadas em três municípios do semiárido de Pernambuco: Araripina, Sertânia e São Bento do Una. Neles, foram realizadas coletas de solo e amostragens da vegetação para avaliar os impactos da degradação e os primeiros sinais de recuperação. A pesquisa é fruto de uma parceria entre a USP, a UFRPE, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Instituto Nacional do Semiárido e a Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape). Recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos (14/50279-4, 20/15230-5, 22/07490-2 e 23/18333-8).
O artigo From overgrazed land to forests: assessing soil health in the Caatinga biome pode ser acessado em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S030147972404009X?via%3Dihub.
Fonte ==> Folha SP