Por que demissões em massa podem sair pela culatra – 11/11/2025 – Mercado

Funcionário com colete amarelo observa pilhas de caixas de papelão com o logo da Amazon em centro de distribuição. Ambiente interno com estrutura metálica amarela e piso polido.

No momento, parece haver apenas dois tipos de manchete no noticiário econômico: as que tratam dos investimentos bilionários e das avaliações astronômicas do boom da inteligência artificial, e as que relatam uma sucessão de anúncios de demissões. Curiosamente, muitas vezes os nomes das empresas são os mesmos em ambas.

De certo modo, faz sentido. Empregadores fascinados pelas possibilidades dessa nova tecnologia poderosa estão apostando que ela aumentará a produtividade —o que significa menos necessidade de humanos. (E o salto das ações após os cortes também ajuda.)

Mas, no fim das contas, muitos desses cortes provavelmente se revelarão um erro. Na verdade, podem minar justamente o que as companhias mais buscam: a capacidade de explorar todo o potencial da IA.

Se a onda atual de cortes for de fato um equívoco, é um que muitos empregadores estão cometendo: no mês passado, empresas americanas demitiram mais do que em qualquer outro outubro nas últimas duas décadas. E boa parte delas está em situação financeira excelente.

A Amazon, que pretende cortar até 30 mil cargos corporativos, vive um recorde histórico em suas ações, enquanto a Microsoft, que conduz suas maiores demissões em dois anos, registrou alta de 12% no lucro recente.

Se não é por necessidade financeira, o que explica esses cortes? Em alguns casos, a IA certamente é um fator. A Accenture, por exemplo, anunciou em setembro a demissão de 11 mil funcionários, alegando que eles “não poderiam ser requalificados para uma força de trabalho orientada por IA”.

E, com a febre da IA dominando o ambiente corporativo dos EUA, é provável que a tecnologia inspire mais cortes em breve. Eles podem até parecer uma necessidade econômica: Geoffrey Hinton, o “padrinho” da IA e ganhador do Nobel, afirma que o volume de capital investido na área é tão grande que só poderá se pagar com uma destruição maciça de empregos.

Há um problema, porém: por mais promissoras que pareçam, as ferramentas de IA nem sempre geram retorno para as empresas que as adotam. Não se trata de dizer, como alguns críticos, que a tecnologia é inútil —eu mesmo sou um convertido ao ChatGPT.

Mas uma pesquisa do MIT com 300 projetos corporativos públicos de IA revelou que 95% dos executivos responsáveis relataram “retorno zero” sobre o investimento.

Pensando bem, não é tão surpreendente. Essas ferramentas não são substitutos imediatos que simplesmente tomam o lugar de trabalhadores. A maioria das empresas não sabe como explorar todo o seu potencial —talvez ninguém saiba.

Usá-las de forma eficaz exige mudanças profundas na maneira de trabalhar. É uma tecnologia ainda recente e em constante transformação. Sem um roteiro claro a seguir, as empresas precisarão ser mais criativas e inovadoras se quiserem se adaptar ao mundo da IA e extrair o máximo dela.

A atual onda de demissões tende a tornar isso mais difícil. Isso porque os cortes não afetam apenas quem sai —eles também traumatizam quem fica, prejudicando moral, comprometimento e aumentando o estresse.

Não por acaso, pesquisas em gestão mostram que empresas que fazem demissões em tempos de prosperidade têm desempenho financeiro pior que as concorrentes que mantêm o quadro.

Além disso, esses efeitos negativos são mais intensos justamente nos setores mais inovadores e de crescimento rápido.

Um estudo com mais de 2.000 empresas espanholas mostrou que, quando o enxugamento de pessoal é combinado com grandes mudanças em equipamentos, técnicas ou processos —como as exigidas pela adoção da IA—, a inovação cai porque os funcionários se sentem ameaçados e evitam correr riscos.

Pesquisa semelhante com empresas britânicas constatou que, embora cortes pequenos ou médios não prejudiquem tanto a inovação, demissões em larga escala têm impacto significativo. (Talvez esse seja um dos motivos pelos quais as taxas de recontratação estejam subindo.)

Isso não quer dizer que toda demissão seja ruim para quem a realiza; quando há excesso de recursos ociosos, cortes podem até estimular a inovação. Mas mesmo nesse caso o caminho é arriscado. Se a empresa já opera sob restrições —e, diante do tamanho dos investimentos exigidos pela corrida da IA, até as mais ricas podem estar—, os efeitos negativos das demissões voltam a predominar.

O paradoxo de inovações tão transformadoras quanto a IA é que elas nunca são simples de implementar. Inventar a tecnologia é só o primeiro passo; aprender a usá-la é igualmente difícil e essencial.

Isso requer funcionários dispostos a aprender, correr riscos e abraçar mudanças, não pessoas traumatizadas e temerosas após ver colegas dispensados. Demitir agora em antecipação aos efeitos da IA pode parecer tentador para os CEOs de hoje, mas a maioria provavelmente se arrependerá.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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