Poluição
Pesquisa detecta agrotóxicos na chuva em três cidades paulistas
Amostras foram coletadas ao longo de 36 meses em Brotas, Campinas e São Paulo. Análises indicaram a presença de 14 pesticidas e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina e o fungicida carbendazim, proibido no Brasil
Poluição
Pesquisa detecta agrotóxicos na chuva em três cidades paulistas
Amostras foram coletadas ao longo de 36 meses em Brotas, Campinas e São Paulo. Análises indicaram a presença de 14 pesticidas e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina e o fungicida carbendazim, proibido no Brasil
As amostras foram coletadas entre 2019 e 2021 (foto: Roman Grac/Pixabay)
Michele Fernandes Gonçalves | Agência FAPESP* – Estudo divulgado na revista Chemosphere revelou que a água da chuva nas cidades paulistas de Brotas e Campinas, bem como na capital do Estado, São Paulo, está contaminada com agrotóxicos.
Coordenada por Cassiana Montagner, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp), a pesquisa analisou a fração de agrotóxicos dissolvidos na água da chuva coletada durante 36 meses, entre 2019 e 2021.
Quando aplicados nas lavouras, parte dos agrotóxicos se dissipa na atmosfera. Fatores como vento, temperatura e umidade influenciam sua distribuição e, em condições específicas, as substâncias se condensam nas gotas de chuva, podendo retornar ao solo e contaminar corpos d´água em áreas distantes das plantações. Por isso, além de calcular as concentrações dos agrotóxicos, o grupo também estabeleceu correlações com dados climáticos – como volume da precipitação, direção e velocidade dos ventos –, na tentativa de compreender as dinâmicas e rotas aéreas dessas substâncias, bem como o papel da quantidade de chuvas no seu retorno à terra firme.
Nas amostras coletadas, foram detectados 14 agrotóxicos e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina, presente em 100% das amostras, e o fungicida carbendazim, proibido no Brasil, mas ainda encontrado em 88% do material coletado. Outros produtos também apareceram em concentrações alarmantes e o herbicida tebuthiuron foi detectado pela primeira vez em água de chuva, estando presente em 75% das amostras.
Apesar de as concentrações não ultrapassarem os limites permitidos para a água potável no Brasil, parte das substâncias detectadas não tem padrões de segurança estabelecidos, ou seja, não há indicadores de concentração segura. Além disso, segundo os pesquisadores, a exposição crônica a baixas doses pode causar danos à saúde humana e à vida aquática.
Dimensionando o risco
No estudo, o herbicida 2,4-D foi o composto com maior concentração na água de Brotas. A substância tem gerado preocupação entre os pesquisadores e as agências de regulação devido à alta capacidade de transporte pelo ar e aos efeitos deletérios já comprovados para a fertilidade humana, fato que fez sua aplicação aérea ser proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2023. A aplicação por aerossol, no entanto, ainda é permitida.
O 2,4-D foi foco de outra pesquisa conduzida por Montagner em parceria com o professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) Evaldo Luiz Gaeta Espindola, que indicou potencial tóxico para o ambiente mesmo com aplicação dentro dos parâmetros permitidos pela Anvisa.
A pesquisa com o 2,4-D também mediu os efeitos de outro agrotóxico que traz apreensão, o fipronil, conhecido por ser potencialmente tóxico para as abelhas e cuja meia-vida em ambientes aquáticos é longa, chegando a 220 dias. O inseticida já foi banido na União Europeia, mas continua registrado para uso no Brasil e nos Estados Unidos. No estudo com a água da chuva em Brotas, Campinas e São Paulo, o fipronil também apareceu como possível vilão. Ele foi detectado em pelo menos 67% das amostras analisadas e seus níveis foram considerados de risco para a vida aquática nas três cidades analisadas.
O estudo sobre toxicidade e risco ambiental realizado pelos grupos coordenados por Montagner e Espindola empregou a metodologia dos chamados “mesocosmos”, que imitam ambientes naturais, como lagos e pequenas lagoas. Eles consistem em estruturas fechadas (caixas d´água, por exemplo) enterradas no solo e preenchidas com água e sedimento. Essas estruturas são deixadas por vários meses em ambientes semiabertos para serem colonizadas por flora e fauna locais. Após um ecossistema simples ter se formado, os pesquisadores habitam as estruturas com animais e plantas cuja resistência aos agrotóxicos querem testar e as contaminam com as substâncias a serem analisadas.
A mesma metodologia agora está sendo empregada em outro grande projeto de pesquisa, ao qual se integra Walter Ruggeri Waldman, docente no Departamento de Física, Química e Matemática da Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba (DFQM-So-UFSCar), onde lidera o Grupo de Pesquisa em Poluição Plástica (GPPP). Intitulada “Destino e impactos de microplásticos e pesticidas em matrizes aquáticas e terrestres em contextos agrícolas“, a iniciativa é financiada pela FAPESP.
O objetivo é testar o grau de toxicidade e a degradação dos agrotóxicos quando associados a microplásticos. Isso porque na agricultura tradicional são usados plásticos para cobrir algumas lavouras, que vão se degradando em pedaços cada vez menores e se depositando no solo. Desse modo, os microplásticos podem se tornar veículos de transporte de agrotóxicos, carregando-os para regiões mais distantes do que poderiam ir sozinhos e aumentando sua persistência no ambiente.
Exposição subestimada
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando 70% a mais do que o segundo colocado, os Estados Unidos. As lavouras de soja, cana-de-açúcar, milho e algodão são as que mais recebem esses produtos, sendo regadas com aproximadamente 83% do total comercializado no país. Vários deles já são banidos na União Europeia, que possui leis mais rígidas e baseadas em evidências científicas, mas seguem em uso no Brasil.
Nesse cenário, os resultados obtidos nos estudos coordenados por Montagner preocupam por vários motivos, entre eles o aumento do consumo de água da chuva pelas populações humanas em decorrência da restrição hídrica cada vez mais frequente. A ausência de regulamentação para muitos dos agrotóxicos encontrados nas amostras coletadas em Brotas, Campinas e São Paulo indica que o risco desse consumo pode estar subestimado. O que os pesquisadores sugerem é justamente que estratégias de monitoramento e tratamento sejam implementadas, com base no conhecimento científico que vai sendo construído.
O artigo Pesticides in rainwater: A two-year occurrence study in an unexplored environmental compartment in regions with different land use in the State of São Paulo – Brazil pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0045653525000335.
* Michele Fernandes Gonçalves é bolsista de Jornalismo Científico da FAPESP.
Fonte ==> Folha SP