Em uma indústria cada vez mais tomada por jogos por serviço e shooters multiplayers genéricos e sem alma, é reconfortante ver lançamentos que fogem dessa tendência e apostam em experiências narrativas e focadas no singleplayer. É especialmente alentador quando esses títulos vêm de empresas menores e frescas no mercado, trazendo um ar de inovação e originalidade que parece estar perdido nesse mar de acionistas e números que precisam sempre subir.
Clair Obscur: Expedition 33, jogo de lançamento da Sandfall Interactive, estúdio composto por ex-funcionários da Ubisoft, chamou atenção logo em seu primeiro anúncio, Afinal, o título parece atender a essa expectativa de quem espera que a indústria, em especial fora do mercado de indies, volte a ter a alma que parece ter sido perdida ao longo dos últimos anos.
Apesar de ser um título AA, o game em seus trailers mostrava uma narrativa original e interessante, músicas excepcionais e um elenco capaz de rivalizar com o de gigantes do mercado. Será que essa expedição é só uma aventura em vão? Ou será que Expedition 33 consegue entregar algo à altura da sua expectativa? Você confere mais na nossa análise a seguir, realizada com a versão de PS5 do game.
Uma história digna de museu
Para quem acompanhava os trailers e já leu a nossa prévia aqui no Voxel, uma das coisas que mais chamou a atenção desde o começo em Clair Obscur: Expedition 33 foi o seu universo, tanto a narrativa que é construída ao longo do jogo, como a forma em que essa é apresentada ao jogador com seus inimigos, cenários e embates. Uma coisa que posso afirmar com facilidade — e que era alvo de preocupação por minha parte já que a prévia pouco mostrava — é que o enredo do jogo é excelente, e entrega uma das melhores histórias que temos não só em RPGs como em jogos nos últimos anos.
A história segue a expedição 33, que tem como objetivo, assim como todas as outras que vieram antes dela, destruir a Artífice, uma entidade que desperta anualmente e pinta um número, que cai a cada ano, em um grande monólito no horizonte. Esse número indica o limite máximo de anos que as pessoas do mundo são capazes de viver e todos aqueles com idade superior ao número pintado desaparecem em um evento denominado pelos humanos como gommage. Cabe a nós, no controle dos expedicionários, destruir a artífice e quebrar o ciclo de morte causada por seu despertar.
Não podemos dar muitos detalhes para evitar spoilers, pois cada momento e acontecimento na narrativa muda muito a forma como ela anda e como o jogador a enxerga. O que posso garantir é que além de uma excelente e misteriosa história capaz de nos envolver e comover profundamente, e que é movida por debates interessantes e muito bem explorados com temas maduros e delicados, como legado, luto e vida, temos também uma impecável atuação de todos os membros do elenco do jogo, com uma ênfase especial nas atuações de Andy Sarkis como Renoir e Ben Starr como Verso.
Um ponto importante que às vezes incomoda, mas é facilmente ignorado pela grande performance dos atores, é que na versão que jogamos algumas cenas apresentavam problemas de lip sync, algo que de acordo com Sandfall será resolvido em um patch no lançamento do jogo.
Uma obra de arte
Mas não é só a narrativa onde Clair Obscur chama atenção, já que todos os elementos que circundam a história também são dignos de nota. Primeiramente é preciso destacar a incrível direção de arte do jogo, tanto para os cenários de Lumiére como do continente onde se encontra a Ártifice. Raramente teremos cenários repetidos e mesmo com os gráficos no modo desempenho no PS5, várias vezes me peguei apenas apreciando as vistas belas ou aterrorizantes que o jogo coloca à nossa frente.
Além da beleza natural da cada fase, é bom ficar atento ao cenário pois quase todas eles contém caminhos secretos e especiais onde podemos encontrar diferentes itens ou peças do lore do jogo, como os diários de expedições passadas que nos dão um vislumbre muito interessante sobre como quem veio antes de nós falhou e o que eles fizeram para pavimentar o caminho para os que viriam depois.
O design dos inimigos é outro show à parte, tanto em criatividade como execução. Embora alguns aparecem uma vez ou outra em áreas subsequentes, no geral o design é extremamente variado e cria uma certa expectativa em saber o que iremos enfrentar a seguir, em especial nos chefes. Além dos Nevrons que iremos enfrentar, ou ajudar em casos raros, outros personagens irão aparecer, como a tribo dos Gestrais ou o maravilhoso Esquie, que servirá de transporte, e apoio emocional, aos expedicionários mais pra frente.
Além do design é nítida a atenção e cuidado da Sandfall com os NPCs e personagens jogáveis, já que cada um possui personalidades, passados e problemas próprios e isso se reflete não só na forma como eles enxergam a missão à frente, como na maneira que interagem entre si ao longo da jornada. Uma dica valiosíssima é sempre conferir as opções de diálogo entre os personagens enquanto estiver no acampamento, já que essas conversas muitas vezes nos dão vislumbres sobre os sentimentos de nossos aliados e ajuda a construir uma elo emocional entre eles e nós, tornando o elenco de personagens de Clair Obscur, uns dos mais orgânicos e vivos que tive o prazer de jogar recentemente.
Para complementar e amarrar todos esses aspectos técnicos e artísticos que ajudam a compor e solidificar o universo criado pela Sandfall, temos um dos maiores destaques do game: sua trilha sonora. Quem me conhece ou acompanha minhas análises sabe que costumo dar um peso enorme a esse aspecto em jogos, em especial nos narrativos, pois para mim a música tem o poder de elevar uma trama boa a algo inesquecível. Mesmo com essa expectativa para Expedition 33, fico feliz em dizer que ainda assim fui surpreendido, já que o game conta com uma das mais belas trilhas que ouvi recentemente, sendo capaz de rivalizar com títulos triple A conhecidos por essa qualidade, como a série Final Fantasy por exemplo.
Arte em movimento
Apesar de eu ser um fã ferrenho de jogos narrativos e que explorem bem enredo e personagens, normalmente eu costumo ter certa aversão a games onde isso é feito em detrimento a uma boa gameplay ou sistemas: felizmente posso dizer que não é o caso aqui. Clair Obscur: Expedition 33 conta com um excelente gameplay, baseado em turnos mas com ações em tempo real, e um robusto sistema de customização de builds e personagens que garante não só diversão e diversidade durante a campanha, como algumas horas após o término dela em desafios que podem ser encontrados ao longo do continente.
Começando pelo combate, posso afirmar que um dos meus maiores temores para a versão completa do jogo, a repetição, não se concretizou, e temos um dos mais divertidos e interessantes sistemas de combate recentes na indústria. Clair Obscur parece um RPG por turnos tradicional até o momento onde realizamos um golpe, e podemos usar um quick time event para fortalecê-lo ou, em especial, quando recebemos um ataque, com a opção de desviar para evitar o dano ou tentar acertar um parry para também contra atacar o inimigo. Como esse sistema é fortemente atrelado aos padrões de ataque dos Nevrons, caso esses se repetissem ou tivessem mecânicas semelhantes, rapidamente o combate poderia se tornar chato ou tedioso.

Felizmente todos os Nevrons do jogo possuem padrões de ataques e mecânicas específicos e que raramente se repetem, fazendo com que entender a forma como cada um ataca seja fundamental para vencer cada combate. Embora alguns deem as caras mais de uma vez em áreas diferentes como já citamos, quando isso ocorre há nítidas mudanças em seus padrões de ataques, impedindo que o sentimento de repetição se reflita também na gameplay. Os chefes também fazem jus ao seu excelente design e trazem combates complexos e cheios de mecânicas que não podem ser ignoradas, tornando cada um desses confrontos uma experiência única, extremamente divertida e muitas vezes desafiadora.
Antes de citarmos as mecânicas de RPG e customização para cada um dos personagens jogáveis, é importante ressaltar como cada um desses personagens possuem mecânicas de combate únicas e que alteram drasticamente a forma de se encarar o combate. Se de um lado temos Gustave que prioriza carregar seu braço robótico antes de desferir um golpe final, portanto favorecendo ataques que executem hits consecutivos, por outro temos Maelle, que precisa fluir entre diferentes formas de combate, como defensiva ou ofensiva, e portanto precisa ter seus ataques planejados de forma mais estratégica. Isso torna não só o combate como a customização extremamente variados, pois muitas vezes cada personagem se preocupa com habilidades ou bônus específicos que podem ser inúteis, ou até prejudiciais, para seus aliados.
Mas como nós podemos montar a build de cada um dos nossos expedicionários? Primeiramente temos um sistema padrão de atributos, como vitalidade, agilidade ou força, e armamentos, que além de possuir um dano base escalam de acordo com atributos diferentes. Isso poderia se tornar um problema, afinal podemos estar fazendo uma build de agilidade e encontrar uma arma melhor que escala com vida, mas felizmente Clair Obscur sabe disso e provêm um item, que pode ser encontrado facilmente, que nos permite dar respec desses atributos.

Embora esse sistema de atributos e armamentos já seja interessante por si só, em especial devido às diversas habilidades especiais e elementos que algumas armas únicas possuem, a complexidade do game se encontra em outra camada de customização: os pictos e luminas. Os pictos nada mais são que itens que podemos equipar, até 3 por personagem, que além de conferir um aumento nos atributos também habilitam uma habilidade passiva, como um ponto de ação a mais por turno ou a uma chance maior de crítico em inimigos que estão sofrendo queimadura por exemplo. A primeira vista três parece um número pequeno, afinal essas habilidades passivas possuem uma grande variedade e podem ser combinadas das mais diversas formas para alcançar resultados ainda melhores. É aí que entram as luminas.
Basicamente após 4 vitórias com um picto equipado em algum personagem de sua equipe, a passiva desse é absorvida e convertida em lumina, e pode ser equipada livremente em quaisquer personagens de sua equipe. Obviamente há um limite de pontos de lumina por personagem, que cresce com nível e itens consumíveis espalhados e escondidos pelos cenários, e habilidades mais fortes custam mais que habilidades mais triviais, portanto há também uma camada estratégica entre tentar usar as passivas mais fortes ou tentar distribuir com outras mais simples, para aumentar a quantidade de passivas por cada personagem. Esse sistema é fantástico e escala muito bem tanto ao longo da campanha quanto no pós final do jogo, tornando o ato de explorar e encontrar mais pictos ou pontos de lumina algo extremamente recompensador e até mesmo viciante.
Algumas manchas
Infelizmente nem as mais belas obras de arte estão imunes a alguns erros de pincelado, e Clair Obscur não foge dessa regra. Durante nossa análise no PS5 tivemos praticamente nenhum bug, mas sofremos algumas vezes com algumas quedas de frame, em especial em cutscenes com muitos movimentos. Felizmente elas não aconteceram no combate, algo que seria muito prejudicial dado o sistema de parry do jogo, se limitando a situações onde elas causam apenas um incômodo.
Além disso, alguns movimentos e animações fora de combate acabam entregando a natureza AA do jogo, pois acabam sendo mais travadas ou menos fluidas que outras que vimos nos ataques e especiais, por exemplo. Nada disso tira o brilho de Expedition 33, em especial pelo fato de ser o título de estreia da Sandfall, mas para aqueles que procuram perfeição ou um nível de primor técnico de um triple A é importante o aviso.
Vale a pena?
Como eu disse no começo da análise, há hoje na indústria um sentimento de decepção ou anseio com os rumos que grandes empresas estão levando para suas franquias recentemente. Portanto, é extremamente revigorante dar de cara com empresas ou franquias que quebram esse status quo e tentam trazer um material mais autoral e feito com amor para as prateleiras.
Em especial, títulos com mais investimento, com grandes trilhas sonoras ou participações de renomados atores, algo que o mercado indie por sua natureza acaba muitas vezes tendo dificuldade em proporcionar. Há muitos anos, enquanto eu ainda começava a trabalhar com análise de jogos, uma proposta de lei era grande alvo das discussões entre jornalistas e analistas: videogames podem ser considerados obras de arte?
Embora até hoje eu não tenha o conhecimento acadêmico ou literário para afirmar que sim de forma categórica, Clair Obscur Expedition 33 com sua história, arte e música evocou em mim sentimentos que apenas as mais belas obras de arte são capazes de fazer: dor, alegria, tristeza, euforia, luto.
Tudo isso envolto em uma das melhores gameplays de RPG por turnos da última década, fazendo o título não só um dos melhores jogos do ano de 2025, como um dos melhores games dessa geração.
Nota do Voxel: 100
Pontos positivos (prós):
- Narrativa e atuações incríveis;
- Combate e sistema de customização;
- Trilha sonora;
- Esquie.
Pontos negativos (contras):
- Alguns problemas de performance e lipsync;
Clair Obscur Expedition 33 chega ao PC, PS5 e Xbox Series S e X no dia 24 de abril. O game será lançado diretamente no Xbox Game Pass. A review do game foi produzida com uma cópia cedida pela Kepler Interactive para PlayStation 5.
Fonte ==> TecMundo