Todas as noites após o anoitecer, uma das maiores migrações do mundo começa, quando criaturas das profundezas marinhas sobem à superfície para se alimentar. Para mergulhadores, é uma oportunidade de vislumbrar pequenos animais.
“Você está apenas à deriva com a corrente e observando essa vida que existe no oceano”, afirma o fotógrafo e mergulhador Rich Collins, afiliado ao Museu de História Natural da Flórida, nos Estados Unidos.
Mas as fotografias em águas escuras capturam mais do que peixes glamorosos. Ao estudar as fotos feitas por Collins e outros mergulhadores, cientistas descobriram que peixes jovens e anêmonas estão interagindo de maneiras raramente vistas antes.
Em um estudo publicado no mês passado no Journal of Fish Biology, cientistas documentaram larvas e peixes juvenis se escondendo atrás ou carregando larvas de anêmonas-do-mar, parentes próximos das águas-vivas que também têm a capacidade de causar dor. Anêmonas adultas se fixam no fundo do mar, mas as larvas flutuam livremente no oceano.
Ao segurarem um invertebrado que pode ser tóxico, os peixes jovens podem estar assustando predadores, segundo Gabriel Afonso, pesquisador que liderou o estudo e é estudante de doutorado do Instituto de Ciência Marinha da Virgínia. “Os peixes às vezes parecem estar usando o invertebrado como proteção.”
Nas fotos, larvas de peixes são vistas segurando larvas de anêmonas tubulares, que pertencem a uma classe de invertebrados marinhos chamados antozoários, em suas bocas. Quatro famílias de peixes foram documentadas interagindo com antozoários em mar aberto, também conhecido como zona pelágica.
A estratégia equivalia a uma “defesa de pílula de veneno”, de acordo com Collins.
Para a anêmona, a interação pode proporcionar um meio de dispersão, embora mais estudos sejam necessários para entender se e como cada espécie se beneficia.
O estudo forneceu a outros cientistas “algo novo e interessante para pensar”, na avaliação do biólogo marinho Simon Thorrold, do Instituto Oceanográfico Woods Hole, que não esteve envolvido na pesquisa. “Eu não tinha ideia de que havia tanta diversidade na relação entre peixes e antozoários.”
Além do benefício para peixes individuais, Thorrold questionou, quão importante era a interação para a sobrevivência da população. Esse é um dos muitos caminhos de pesquisa que o mergulho em águas escuras está abrindo.
Tradicionalmente, os alevinos têm sido estudados por meio da análise de espécimes capturados em redes de malha, deixando os cientistas a conjeturar sobre seu comportamento e interações no oceano aberto. “É difícil o suficiente estudar tubarões-baleia, que têm nove metros de comprimento, quanto mais um peixe em estado larval que pode ter dez milímetros ou uma polegada de comprimento”, afirmou Thorrold.
O estágio larval é uma parte importante do ciclo de vida e da história de um peixe, em parte porque a taxa de mortalidade durante essa fase determina quantos sobrevivem até a idade adulta.
“As larvas de peixes marinhos podem ser tão diferentes dos adultos que se tornarão quanto as lagartas são das borboletas”, comparou Carole Baldwin, curadora de peixes do Museu Nacional de História Natural, que não esteve envolvida na pesquisa.
Para o estudo de peixes larvais, a fotografia em águas escuras é revolucionária, de acordo com Baldwin.
A partir das fotos, os cientistas podem vislumbrar novos comportamentos, estágios larvais, cores e interações que normalmente não são observados em coleções de peixes em frascos.
Para Afonso, as fotos em águas escuras são como uma mina de ouro. Cientistas marinhos frequentemente vasculham grupos de redes sociais, procurando fotos que revelem novas espécies ou comportamentos, e então entram em contato com o fotógrafo.
Ai Nonaka, pesquisadora do Museu Nacional de História Natural, disse que as fotos em águas escuras e as técnicas científicas aprimoradas estão remodelando como os cientistas estudam e compreendem os estágios iniciais de vida dos peixes marinhos. No museu, ela acrescentou, “agora abrigamos mais de 500 espécimes de peixes larvais coletados diretamente por mergulhadores de águas escuras”.
Collins, que realizou centenas de mergulhos na corrente do Golfo ao largo da costa da Flórida, estimou que coletou mil espécimes para o Museu de História Natural da Flórida. “Transformou-se em uma espécie de vocação, em vez de apenas um hobby”, disse ele.
“O que as pessoas não reconhecem é quanta vida existe lá fora, logo abaixo da superfície, e que há essa incrível migração que acontece todos os dias.”
Fonte ==> Folha SP – TEC