O problema dos dez martinis – 04/11/2025 – Marcelo Viana

Uma ilustração com padrão repetitivo de átomos estilizados. Cada átomo é composto por órbitas coloridas (vermelho, azul, laranja e verde) com pequenos círculos brancos representando elétrons. O fundo é amarelo claro com textura de papel. A imagem sugere temas de ciência, física ou educação.

Alguns anos antes de publicar o best-seller “Gödel, Escher, Bach”, o jovem Douglas Hofstadter era estudante de doutorado em física nos Estados Unidos. Em 1974, acompanhou seu orientador em uma visita sabática à Universidade de Regensburg na Alemanha, onde integraram uma equipe de físicos teóricos que estava trabalhando no seguinte problema de mecânica quântica: como se comporta um elétron num cristal próximo a um ímã? Especificamente, quais são os níveis de energia que o elétron pode alcançar?

Na mecânica quântica o comportamento de uma partícula subatômica como o elétron é descrito pela equação de Schrödinger, na qual entra informação sobre o meio em que a partícula está inserida, neste caso, a expressão do potencial associado ao cristal sob a ação magnética do ímã. Assim, do ponto de vista matemático o problema consistia em encontrar as soluções da equação de Schrödinger para tal potencial. Mas essa equação é notoriamente difícil…

Na expressão do potencial há uma variável chamada fluxo magnético, que representa a força a que o elétron está sujeito. Ela depende da intensidade magnética do ímã e da geometria do cristal e costuma ser representada pela letra grega alfa. Quando alfa é um número racional, ou seja, uma fração de números inteiros, é possível (ainda que trabalhoso) encontrar a solução da equação, utilizando ferramentas matemáticas desenvolvidas desde o século 18. Mas do ponto de vista físico o caso em que alfa é irracional é mais interessante, e a equipe não tinha ideia de como atacá-lo.

Hofstadter partiu para fazer cálculos numéricos das soluções, usando um computador primitivo a que tinha acesso. Desses cálculos resultou um gráfico que descreve os níveis de energia do elétron para diferentes valores do fluxo magnético e que ficou conhecido como “borboleta de Hofstadter”, devido à sua forma. Hoje, é um dos exemplos mais conhecidos e importantes de conjunto fractal.

Mas havia uma espécie de trapaça: computadores digitais são incapazes de trabalhar com números irracionais, logo todos os cálculos de Hofstadter diziam respeito apenas a valores racionais de alfa! Ainda assim, a borboleta continha pistas cruciais para resolver o problema. Hofstadter observou que quando consideramos racionais com denominadores cada vez maiores, aproximando-se de um dado número irracional, os respectivos conjuntos de níveis de energia vão ficando cada vez mais parecidos com algo que ele conhecia das aulas de matemática: o conjunto de Cantor.

Introduzido por Georg Cantor (1845-1918) em 1883, o conjunto de Cantor é o exemplo mais simples e mais fundamental de objeto fractal. Quem poderia imaginar (e aceitar!) que um conceito tão abstrato da matemática “pura” tivesse um papel no mundo real? Os colegas físicos reagiram com ceticismo, e até o orientador de Hofstadter chegou a ameaçar cortar a bolsa dele, dizendo que tudo não passava de “numerologia”. Felizmente, os matemáticos foram mais receptivos.

Agora, provar matematicamente que quando o fluxo magnético é irracional os níveis de energia do elétron no cristal realmente formam um conjunto de Cantor era considerado tão difícil que um especialista ofereceu pagar dez martinis a quem conseguisse.

Você não vai querer perder a continuação, vai?!



Fonte ==> Folha SP – TEC

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *